SIM-P: reduzir esse risco é tarefa urgente


A Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P), também conhecida como Síndrome Inflamatória Multissistêmica da Criança (MIS-C), é uma nova condição clínica, possivelmente associada à Covid-19, com manifestações clínicas similares à síndrome de Kawasaki típica, Kawasaki incompleta e/ou síndrome do choque tóxico. Segundo o Ministério da Saúde (MS), entre os sintomas mais frequentes estão febre persistente acompanhada de um conjunto de sintomas como pressão baixa, conjuntivite, manchas no corpo, diarreia, dor abdominal, náuseas, vômitos, comprometimento respiratório, entre outros.

De acordo com o MS, até julho, 71 casos foram registrados em quatro estados, sendo: 29 no estado do Ceará, 22 no Rio de Janeiro, 18 no Pará e 2 no Piauí, além de três óbitos no estado do Rio de Janeiro. Embora, até o momento sejam ocorrências raras, a maioria dos casos relatados apresentou exames laboratoriais que indicaram infecção atual ou recente pelo SARS-CoV-2 (por biologia molecular ou sorologia) ou vínculo epidemiológico com caso confirmado de Covid-19.

Por uma medida de vigilância em saúde, o Brasil monitora casos de SIM-P em crianças e adolescentes, entre 7 meses e 16 anos, com o objetivo de identificar se a síndrome pode estar relacionada à Covid-19. Devido a situação, em 20/5, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), emitiu um alerta tratando o tema como “uma apresentação aguda, grave e potencialmente fatal”. Já no dia 22/5, o MS divulgou uma nota chamando atenção da comunidade pediátrica para a identificação precoce da SIM-P no país, orientando quanto ao manejo clínico dos casos.

Através de uma nova nota de alerta , de 7/8, a SBP informa que “as crianças e adolescentes que manifestam a SIM-P são habitualmente saudáveis, mas podem apresentar alguma doença crônica preexistente, particularmente doenças imunossupressoras (como neoplasias, doenças autoimunes, imunodeficiências primárias, uso de medicamentos imunossupressores, etc.)”. Além disso, alegam que “embora muitos pacientes com SIM-P possam apresentar critérios para a síndrome de Kawasaki completa ou incompleta, geralmente ocorrem em crianças mais velhas, escolares e adolescentes, com marcadores inflamatórios mais exuberantes e importantes elevações dos marcadores de lesão cardíaca”.

Recentemente, a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) implantou mais uma iniciativa: a notificação dos casos de SIM-P nos sistemas de monitoramento. Conforme o Boletim Epidemiológico Volume 51, Nº 31, de agosto de 2020, a notificação deverá ser individual e de forma universal, isto é, por qualquer serviço de saúde ou pela autoridade sanitária local ao identificar indivíduo que preencha a definição de caso, por meio do preenchimento da notificação diretamente no formulário online https://is.gd/simpcovid, em até 24 horas. Como consta no Boletim, “a implantação desta notificação justifica-se visto que os fatores de risco, a patogênese, o espectro clínico, o prognóstico e a epidemiologia da SIM-P são pouco conhecidos e por se tratar de uma doença emergente potencialmente associada à Covid-19”.

Nesse contexto, o Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) lançou o documento sobre “Covid-19 e Saúde da Criança e do Adolescente” , que tem como objetivo contribuir para a capacidade de análise, planejamento e tomada de decisão de gestores e profissionais de saúde na proteção e cuidado à saúde de crianças e adolescentes no Brasil. Elaborado por especialistas da Área de Atenção Clínica à Criança e ao Adolescente, Área de Atenção ao Recém-Nascido e Coordenação de Ações Nacionais e de Cooperação do IFF/Fiocruz, o documento aborda vários temas ligados à Covid-19, sendo um deles a SIM-P.


Os especialistas do Instituto ressaltam que “reduzir o risco da SIM-P é tarefa urgente de gestores e profissionais de saúde e
requer medidas amplas de planejamento e organização dos serviços no sentido de garantir o fortalecimento da atenção à saúde da criança e do adolescente e de dirimir as desigualdades socioeconômicas que perpassam o campo da saúde”


Os pediatras do IFF/Fiocruz Marcio Nehab e Lívia Menezes, respectivamente organizador e coautora do documento, foram convidados para falar a respeito da iniciativa e esclarecer dúvidas sobre a SIM-P:

Qual a população analisada na elaboração do documento?

Marcio: A população analisada foi desde o período neonatal, passando pelas crianças, pelos adolescentes e suas famílias, abordando temas relacionados à saúde e a doença no Brasil e no mundo todo também, pois dados oficiais do MS identificaram casos em crianças e adolescentes em países como Inglaterra, Espanha, França, Itália, Canadá e Estados Unidos. No mundo há mais de 1000 casos relatados.

Quais foram os principais desafios na elaboração do documento?

Marcio: Um dos principais desafios foi reunir profissionais competentes para escrever o documento, além de manter o nível técnico de excelência de outros documentos lançados pela Fiocruz.

Quais são os impactos da pandemia no atendimento ambulatorial de recém-nascidos, crianças e adolescentes?

Marcio: Os atendimentos em saúde tiveram que sofrer grandes mudanças como consequência da pandemia. O isolamento social impediu ou dificultou a mobilidade urbana de forma contundente. As pessoas, ou por medo, ou por apresentarem condições de vulnerabilidade de saúde ou social, evitaram frequentar as unidades para atendimento ambulatorial e até mesmo de emergência. Muitos locais tiveram que reduzir sua capacidade de atendimento para diminuir a chance de contágio. Toda unidade teve que rever seus fluxos de pacientes e de funcionários e apresentar um plano de ação no combate à Covid-19. No documento há um capítulo que aborda alguns pontos importantes sobre essas mudanças.

Quais os efeitos diretos e indiretos da pandemia na infância?

Lívia: O impacto da pandemia de Covid-19 na saúde infantil é imenso, na medida em que analisamos os seus efeitos diretos — que são aqueles causados diretamente pela infecção pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) na criança ou no adolescente — e os seus efeitos indiretos — que são os decorrentes das importantes medidas de distanciamento social adotadas para o controle da pandemia. As manifestações mais graves são a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e a SIM-P, as quais requerem internação em unidade de terapia intensiva e acompanhamento multiprofissional.

Quais são os principais riscos na saúde da criança com a SIM-P?

Lívia: A SIM-P é rara e pode se desenvolver durante a infecção aguda pelo SARS-Cov-2 ou mais comumente dias ou semanas após a Covid-19, inclusive em crianças que tiveram infecção inicial assintomática ou leve, sugerindo que a síndrome inflamatória pode ser uma complicação tardia. Por isso, os profissionais de saúde devem estar alertas para essa possibilidade, pois a maioria das crianças que desenvolvem essa forma grave da doença necessitam de hospitalização para cuidados intensivos com terapias específicas e acompanhamento multiprofissional. Os sistemas e órgãos mais comumente envolvidos são os sistemas gastrointestinal, cardiovascular, hematológico, mucocutâneo e respiratório. Além disso, os pacientes necessitam de acompanhamento com ecocardiograma, ao longo da internação, para identificação precoce de lesão de coronárias, requerendo assim, terapia anticoagulante.

As crianças com a SIM-P desenvolvem sequelas permanentes?

Lívia: Até o momento, a literatura aponta que as crianças com a forma grave da doença não desenvolvem frequentemente sequelas permanentes e, dessa forma, não necessitam de cuidados específicos maiores no momento de sua alta hospitalar, além do acompanhamento com pediatra. No máximo, deve-se considerar o acompanhamento em paralelo com o cardiologista para os casos em que houve suspeita ou confirmação de dilatação coronariana, bem como com o especialista adequado se outro órgão foi afetado de forma grave.

Quais as recomendações para os profissionais que atuam com crianças e adolescentes?

Lívia: Os profissionais devem estar atentos aos riscos adicionais que as crianças e adolescentes estão expostos (efeitos indiretos) continuamente e não são poucos, tampouco leves, como os prejuízos incalculáveis no ensino, na socialização e no desenvolvimento; afastamento do convívio familiar ampliado; estresse afetando a saúde mental; exagero no uso de mídias/telas; entre outros. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), esses riscos são mais devastadores que os efeitos diretos da pandemia por Covid-19 na saúde infantil. Todos devem estar alertas também para as graves situações de vulnerabilidade que muitas crianças e adolescentes estão submetidos, necessitando, portanto, de outros olhares e medidas intersetoriais.

 

 

 

 

 

 

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