Transições é o tema central da Semana Internacional da Saúde do Adolescente


A IAHW (International Adolescent Health Week), ou em português, Semana Internacional da Saúde do Adolescente, surgiu em 2016 sendo apenas uma iniciativa na Pensilvânia – Estados Unidos. Porém, atualmente a IAHW tomou dimensões globais com a participação de Jovens Embaixadores que representam os 6 continentes do mundo. Neste ano, a Semana ocorreu de 20 a 26 de março, abordando as Transições: da infância para a idade adulta, física e mentalmente; de uma vida pré-pandêmica para uma vida moldada por uma pandemia; e da dependência para a independência.

A Semana Internacional de Saúde do Adolescente é uma semana anual voltada para promover a pauta da saúde do adolescente. A celebração internacional consiste em eventos participativos dinâmicos para inspirar adolescentes e suas comunidades a defender uma transição bem-sucedida para a vida adulta. De acordo com a IAHW, “com mais de um bilhão de adolescentes em todo o mundo, essa faixa etária compreende um dos maiores segmentos da população mundial. O rápido crescimento físico e emocional dessa faixa etária a diferencia das necessidades de crianças e adultos; enquanto os comportamentos de saúde que resultam em doenças mais tarde na vida muitas vezes começam nos anos de adolescência. A Semana Internacional da Saúde do Adolescente é única porque foca o mundo inteiro em uma visão holística da saúde do adolescente ao mesmo tempo com uma semana independente dedicada a este importante capítulo da vida humana”.

A celebração global da saúde do adolescente durante a IAHW tem a finalidade de engajar jovens a se tornarem agentes multiplicadores de saúde; aumentar o reconhecimento dos problemas de saúde enfrentados pelos adolescentes; promover ações para a comunidade; e defender e promover a saúde e bem-estar do adolescente. Para contar sobre as iniciativas realizadas este ano, conversamos com o Embaixador do Brasil na IAWH, o adolescente de Alagoas, Cauê Bento de Carvalho.

Entrevista com Cauê Bento de Carvalho

1. Como foi a experiência de ser Embaixador do Brasil na IAWH?

Cauê: Como o primeiro Embaixador representando o Brasil, precisei iniciar contato com outras pessoas e organizações para formar uma equipe de apoio para o projeto. Também, mensalmente, participei de reuniões on-line com os outros Jovens Embaixadores e com a fundadora da IAHW, Laura Offutt. A experiência foi muito recompensadora por incentivar outros adolescentes, como eu, a se mobilizarem em prol das questões da nossa saúde.

2. Quais atividades foram realizadas na IAHW-br?

Cauê: Para a IAHW 2022 no Brasil, tivemos três frentes. Uma em Alagoas (no Colégio Municipal Esther Soares Torres, no Instituto Federal de Alagoas (IFAL) e na Unidade Básica de Saúde José Marcelino dos Santos Filho, no município de São Miguel dos Campos), outra no Rio de Janeiro (no Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e na Escola Sesc de Ensino Médio - ESEM), e também nas redes sociais, através do Instagram. As atividades presenciais foram principalmente rodas de conversas, salas de espera e apresentações – em salas de aula, auditórios e ambulatórios – sempre falando para os e as adolescentes.

Em São Miguel dos Campos/AL e no Rio de Janeiro/RJ, promovemos rodas de conversa sobre temas que atravessam a fase da adolescência, como sexualidade, saúde mental, alimentação e o tema central do evento, que este ano foi “Transições”. Em Alagoas, também fizemos uma campanha de combate à pobreza menstrual, distribuindo caixas de doação de absorventes em locais de fácil acesso, como escolas e postos de saúde.

3. Já há planos para 2023?

Cauê: Sim, vimos que neste ano a equipe esteve muito engajada nas diversas ações. Por isso, o nosso objetivo é continuar promovendo e defendendo a saúde do adolescente e, para 2023, fazer com que mais jovens conheçam e participem do projeto.


Cauê Bento de Carvalho promove Campanha de Dignidade Menstrual – Foto: @iahw_br


Para abordar a temática dos adolescentes, convidamos o psiquiatra da Infância e Adolescência, que atua no Ambulatório de Adolescentes do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Orli Carvalho, e a médica de Adolescentes do Ambulatório do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e da Escola Sesc de Ensino Médio (ESEM), Cristiane Murad, que orientou Cauê nas atividades da Semana Internacional deste ano.

Entrevista com Orli Carvalho

4. Percebemos um maior conhecimento e divulgação do tema da adolescência nos últimos anos, como podemos definir ou classificar a adolescência?

Orli: Ainda que os dados globais e nacionais das últimas décadas indiquem um envelhecimento populacional e redução do percentual de adolescentes, temos hoje um maior conhecimento das especificidades e singularidades desse grupo etário; uma população definida por marcos etários, mas que se caracteriza por uma diversidade social e pluralidade cultural que se torna mais adequado falarmos em adolescências. Tal conhecimento vem sendo incorporado pela Saúde, que reconhece atualmente o engano do setor que considerava para intervenções e planejamento os/as adolescentes como “crianças velhas ou jovens adultos”. Essa orientação, inclusive, está no cerne do guia Ação Global Acelerada para a Saúde de Adolescentes (AA-HA!), documento publicado em 2018 pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que destaca o protagonismo que esse grupo precisa receber para o cumprimento da “Agenda 2030”.

A definição etária desse grupo não gera um consenso mesmo que a partir de marcos biológicos, expressando alguma elasticidade conceitual. A OMS considera como adolescência o intervalo entre 10 e 19 anos, reconhecendo como juventude o período de 15 a 24 anos. No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) nomeia os indivíduos entre 12 e 18 anos como adolescentes, com algumas condições que permitem tal nomeação até os 21 anos. Algumas normativas do Ministério da Saúde, entretanto, incluem os/as adolescentes dentre um grupo mais heterogêneo de 10 a 24 anos. Para além de tais intervalos temporais, vemos na realidade brasileira a adaptação que alguns serviços de saúde fazem desses limites, definindo o paciente/usuário adolescente por outros critérios além da idade.

Além das normativas temporais e biológicas associadas a marcos de desenvolvimento e pubertários, precisamos ter em mente que o conceito adolescência é também uma construção social. Assim, o conhecimento que temos e defendemos hoje não pode simplesmente ser incorporado a todas as culturas e povos, e os profissionais de saúde precisam ser sensíveis a peculiaridades que podem apresentar alguns grupos, como algumas etnias indígenas no território brasileiro.

5. Qual seria a importância de espaços que priorizam o atendimento de adolescentes?

Orli: Quando se considera a saúde dos/das adolescentes devemos considerar as caraterísticas desse grupo (questões clínicas e epidemiológicas, suas vulnerabilidades, os fatores de risco e de proteção para as principais causas de morbimortalidade, por exemplo), mas também como devemos organizar os serviços de assistência. Isso passa por constituir espaços físicos e organizações que, além de privacidade, permitam a participação desse grupo nas estratégias, definições e proposições para sua própria saúde. Ou seja, a tentativa de inclusão dos/das adolescentes como agentes ativos de sua saúde. Apesar da dificuldade que isso representa, valorizar o sujeito adolescente é uma primeira possibilidade para se alcançar a proposta de “saúde do adolescente em todas as políticas”.

Espaços prioritários facilitam também que a abordagem e manejo de temas e marcadores, como sexualidade, questões raciais, escolaridade e trabalho, recebam destaque na assistência em saúde. Questão essencial quando se considera a saúde de forma integral. Resgatando algumas orientações do guia “AA-HA!”, investir na saúde dos adolescentes promove um triplo benefício: a saúde de adolescentes hoje, a saúde de adolescentes no futuro e a saúde de futuras gerações.

6. Considerando a participação dos adolescentes na sociedade, como os profissionais de saúde podem colaborar para sua educação e segurança?

Orli: Pensar a saúde de adolescentes é incluir na agenda assistencial elementos do cotidiano desse grupo para além de sinais e sintomas físicos. Não que isso não seja importante para outros grupos etários, mas devido a urgências das transições experimentadas nessa fase, as articulações setoriais se destacam; não à toa, muitas das queixas apresentadas pelos/as adolescentes nas consultas têm relação com suas experiências relacionais com seus pares, com sua família, em sua escola ou trabalho.
O conhecimento que a saúde tem produzido e acumulado deve, assim, ser compartilhado para outras organizações. Podemos citar como exemplos atuais a violência e as autolesões, que até se transformarem em questões levadas à saúde, geralmente já passaram por diferentes espaços e estruturas.

Entrevista com Cristiane Murad

7. Como você avalia o ensino da Medicina de Adolescentes na graduação em Medicina?

Cristiane: Ainda há muitos desafios, esse é um tema ainda muito pouco abordado na graduação, e quando é feito, normalmente está inserido dentro da Disciplina de Pediatria. Na graduação de Medicina da UERJ, foi criada recentemente a Disciplina de Medicina de Adolescentes, onde são abordados os principais temas relacionados à adolescência. Dessa forma, os alunos já entram em contato com a Medicina de Adolescentes desde cedo, entendendo a importância de se valorizar essa etapa de vida tão importante, com suas especificidades.

8. E na Residência de Pediatria? Quais as dificuldades encontradas?

Cristiane: Na Residência Médica em Pediatria, atualmente, com duração de três anos, tornou-se obrigatório o treinamento em Serviços que oferecem atendimento ao adolescente. No entanto, são poucos os locais que oferecem atendimento e treinamento ao residente na área de Medicina do Adolescente. É fundamental na formação pediátrica o contato com o adolescente, bem como a identificação e a condução dos principais problemas encontrados nesse grupo.

Sabemos que a adolescência é uma etapa de vida do ser humano caracterizada por inúmeras transformações, particularidades e vulnerabilidades. Dessa forma, o residente de pediatria, na sua formação, deverá ter contato com o adolescente, além de aprender com equipe especializada a realizar o atendimento integral desses indivíduos, reconhecendo as principais doenças e problemas que acometem essa população e as formas de resolvê-las. Sendo assim, as principais dificuldades encontradas são os restritos locais que oferecem treinamento para o residente, bem como equipe especializada em tal atendimento.

9. Qual a importância desse treinamento para a formação médica e formação em saúde?

Cristiane: A importância do treinamento em Saúde dos Adolescentes para a formação em saúde, encontra-se no fato de que o reconhecimento das principais doenças e problemas encontrados nos adolescentes, bem como o aprendizado sobre as formas de resolvê-las e de evitá-las, contribui para a redução dos danos nessa população. Investir na saúde do adolescente significa investir na saúde das gerações futuras. Assim sendo, o treinamento dos profissionais de saúde que lidam com essa população é imprescindível para a geração de uma melhor qualidade de vida nesses indivíduos.

10. Considerando a sua prática com adolescentes em ambiente escolar, quais os principais problemas e desafios que você identificou na sua experiência?

Cristiane: Os principais desafios encontrados nos adolescentes em ambiente escolar estão relacionados às questões emocionais vivenciadas nesse momento de vida. Na maioria das vezes, o turbilhão de transformações que acontecem nesse período, no âmbito da sexualidade, da consolidação da identidade, da busca pela independência, das novas ideologias associadas ao afastamento dos pais, à falta de compreensão e de diálogo, pode ter dimensões variadas e, em algumas vezes, evoluir com transtornos mentais. Dessa forma, um olhar atento por parte dos professores, coordenadores e dos demais profissionais que trabalham no ambiente escolar é fundamental para o reconhecimento dessas questões, encaminhando, assim, para os profissionais especializados.


Atividade sobre saúde mental promovida na sala de espera do
Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Foto: @iahw_br

 

Serviço

Adolescências no cenário atual da sociedade brasileira
Saúde mental dos adolescentes no contexto digital da pandemia

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