A adolescência é uma fase de crescimento cheia de mudanças e descobertas, que aflora o lado "sexual". Algumas pessoas acreditam que "sexualidade" é o que se refere às relações sexuais ou aos órgãos genitais. No entanto, é um conceito muito mais amplo, é um processo dinâmico e complexo que se inicia ao nascer, se manifesta de diferentes formas ao longo da vida e envolve também sentimentos, emoções e o processo de formação da própria identidade. A sexualidade tem a ver com a forma como nos vestimos, nos movemos, nos expressamos e nos relacionamos com os outros.
Nesse sentido, a saúde sexual e reprodutiva na adolescência é um componente de grande importância na vida das pessoas, uma vez que as primeiras experiências sexuais muitas vezes ocorreram durante essa fase da vida. Sem informação e orientação, podem resultar em gestações não planejadas ou até em Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), incluindo HIV/AIDS, complicações que podem ser evitadas através de estratégias de informação e educação.
Assim, para os jovens é tão importante viver as novas experiências que a adolescência traz, quanto aprender os novos cuidados que devem ter para não afetar seu desenvolvimento físico, emocional e psicológico. É disso que trata a “saúde sexual e reprodutiva”, é a capacidade de desfrutar de uma vida sexual segura, responsável, prazerosa e livre de violência. Só a própria pessoa que tem o poder de decidir sobre sua sexualidade, ninguém pode decidir por ela ou forçá-la a fazer coisas que a pessoa não quer. “Saúde sexual e reprodutiva” é a liberdade de decidir se quer ou não ter relações sexuais, é o poder de decidir se quer ou não ter filhos, quantos e quando, para isso existem métodos contraceptivos. É o direito de receber informação adequada para prevenir gravidez indesejada e/ou doenças sexualmente transmissíveis.
Quando termina a adolescência e começa a vida adulta, a saúde sexual também está presente nos cuidados durante a gravidez e o parto, na prevenção do câncer de mama, colo do útero e próstata e até nos tratamentos de infertilidade, por exemplo. Por isso, recomenda-se que, já no início da puberdade, tanto homens quanto mulheres possam fazer uma visita ao serviço de saúde, indo sozinho ou acompanhado com alguém de confiança, que se sinta acolhido. O adolescente também tem direito a cuidados confidenciais, isso significa que tudo o que ele debate naquele espaço é protegido pelo sigilo profissional e ninguém mais pode saber.
Para aprofundar mais a questão da saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes, entendendo que são direitos humanos fundamentais da pessoa, consultamos a assistente social do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Aline de Carvalho Martins:
A partir de que momento se inicia o desenvolvimento da sexualidade?
A.C.M.: Começa muito cedo, pois a sexualidade é uma expressão de quem você é. Assim, quando uma criança pequena aprende sobre o consentimento para pegar o brinquedo de outra criança, ou quando tem experiências positivas sobre seu potencial e autoimagem, já estão sendo desenvolvidas as bases para uma sexualidade positiva.
O que é a saúde sexual e reprodutiva e qual a importância na adolescência?
A.C.M.: Esses são conceitos discutidos internacionalmente e se referem à importância de o adolescente ter autonomia para escolher como quer expressar a sua sexualidade, eleger com quem e qual o melhor momento de iniciar a sua vida sexual, como e quando se reproduzir e ter acesso às informações, reflexões e métodos para evitar a gravidez e doenças.
A saúde sexual e reprodutiva são direitos humanos? Quais são esses direitos?
A.C.M.: São direitos que refletem a nossa condição de seres humanos, cuja dignidade e escolhas devem ser respeitadas. Assim, por exemplo, garantir a eliminação de casamentos infantis ou forçados (ainda comum em algumas partes do mundo), garantir a integridade física e não discriminação de nenhuma pessoa por sua orientação sexual diferente da maioria, evitar e punir os estupros e reconhecer, enfrentar e punir práticas como o sexo sem consentimento (ou retirada de preservativo sem o conhecimento do parceiro), são direitos humanos que devem ser garantidos a todos.
Qual é a idade indicada para iniciar a educação sexual?
A.C.M.: A educação sexual deve ser garantida antes do início da vida sexual. Nesse contexto, são trabalhados temas como autonomia, direito de escolha, planejamento do futuro, e métodos contraceptivos propriamente ditos. Importante dizer que a educação sexual não incentiva a sexualidade precoce. Pelo contrário, informar o assunto de forma efetiva e qualificada tende a fazer com que os adolescentes façam escolhas melhores do que os que não tiveram informações. Aqui vale uma comparação: quando a escola ou os serviços de saúde conversam com os adolescentes sobre drogas, ele não estimula a dependência química. Pelo contrário: orientação e reflexão sempre foram benéficas ao desenvolvimento humano.
Por que educar as nossas crianças e adolescentes sobre sexualidade?
A.C.M.: Crianças e adolescentes são seres em desenvolvimento que devem ser preparados para escolhas autônomas e responsáveis e seu futuro. Por isso, são oferecidos diversos cursos aos adolescentes para que eles possam fazer escolhas sobre o seu futuro. O mesmo raciocínio vale para as questões de sexualidade, que não deve ser tratada como um tabu. Pelo contrário, não oferecer aos adolescentes informações e métodos contraceptivos é a forma mais fácil de ocorrência de uma gravidez não planejada e de doenças que podem ser prevenidas.
A educação sexual é responsabilidade da escola, da unidade de saúde ou da família?
A.C.M.: É responsabilidade de todos. Inicialmente cabe à família oferecer acolhimento e diálogo para todas as questões importantes da vida de seus filhos. Quando crianças e adolescentes conseguem falar livremente com seus pais e se sentem apoiados por eles, tendem a dialogar sobre as questões e dificuldades da vida, o que facilita a resolução dos desafios do cotidiano. Já a escola e a unidade de saúde podem oferecer informações qualificadas e atualizadas que a família nem sempre consegue ter. Por isso, o adolescente que dialoga sobre a sexualidade e a vida sexual com essas três instâncias fica mais capacitado a fazer melhores escolhas.
Masturbação na adolescência: o que os pais precisam saber para encarar essa fase dos filhos?
A.C.M.: A masturbação é uma forma de conhecer o próprio corpo. Por isso, deve ser vista como uma etapa importante para práticas sexuais capazes de garantir prazer sexual no futuro.
Quais os principais desafios da vida sexual e reprodutiva dos adolescentes?
A.C.M.: O primeiro desafio é a autonomia e a negociação. Adolescentes devem ser fortalecidos em sua autonomia para que possam escolher quando, como e com quem ter relações sexuais. Por isso, o diálogo é capaz de garantir que os meninos não sejam pressionados a ter atividade sexual quando não desejam e que as meninas não sejam pressionadas a atender aos desejos de seus parceiros, quando essa não for a sua vontade.
Outro desafio importante é o uso do preservativo. Quando presente desde a primeira relação sexual, ele tende a se manter mais facilmente do que em pessoas que não possuem o hábito de utilizá-lo. O terceiro desafio é o reconhecimento das práticas homoafetivas, que existem e que são muitas vezes permeadas por violências. Essas são maneiras particulares de vivenciar a sexualidade, que deve ser reconhecida e acolhida sem discriminação ou constrangimento. Finalmente chegamos no desafio das famílias e dos profissionais, que muitas vezes tratam o tema como um tabu e negam aos adolescentes as informações adequadas para o seu futuro.
Quais os serviços de saúde sexual e reprodutiva disponíveis para os adolescentes? Aonde ir?
A.C.M.: O espaço prioritário é a Atenção Básica.
Os métodos contraceptivos, como pílulas, anticoncepcionais injetáveis, implantes e dispositivos intrauterinos têm efeitos negativos na saúde dos adolescentes? Quais as opções?
A.C.M.: Os métodos contraceptivos têm suas indicações e contraindicações, por isso devem ser prescritos individualmente por um profissional de saúde, após uma consulta individualizada. Em todos os casos está recomendado o uso do preservativo, que além de ação contraceptiva possui uma ação de prevenção das ISTs.
Adolescentes têm fácil acesso no Brasil a esses métodos contraceptivos?
A.C.M.: Infelizmente, ainda vemos dificuldade de os serviços acolherem adequadamente os adolescentes. Alguns profissionais dificultam o acesso destes por terem dificuldade em lidar com o tema, especialmente quando os adolescentes não estão acompanhados por um responsável.
O que acontece com a pílula do dia seguinte? Ela pode afetar a saúde reprodutiva das adolescentes?
A.C.M.: A chamada pílula do dia seguinte é uma contracepção de emergência. Ela não deve substituir os métodos contraceptivos regulares e seu uso intensivo não está indicado em nenhuma faixa etária.
Existem riscos na gestação durante a adolescência? Quais são?
A.C.M.: Essa é uma questão que debati muito no meu livro "Gravidez na adolescência: entre fatos e estereótipos", da editora Fiocruz. Fato é que os extremos da idade reprodutiva constituem riscos para as mulheres, que devem ser atendidas em serviços especializados. Entretanto, os chamados "riscos psicossociais" (como o fato de abandonar a escola, permanecer em situação de pobreza e não vislumbrar oportunidades profissionais) não são consequência da gravidez na adolescência, são a causa. A gravidez na adolescência atinge justamente aquelas mulheres que possuíam expectativas sociais restritas e essa questão pode ser revertida com o oferecimento de políticas sociais básicas.
Quais os riscos para o bebê quando nascido de mãe adolescente?
A.C.M.: Mães adolescentes - como todas as mulheres - precisam ser apoiadas para os cuidados com os seus bebês. Crianças acompanhadas adequadamente pelos serviços de saúde possuem acompanhamento e detecção precoce de quaisquer fatores de risco e encaminhamento aos serviços especializados.
Como a sociedade pode contribuir na promoção de uma conduta sexual responsável na adolescência?
A.C.M.: Em termos de sociedade, o principal diferencial é o oferecimento de políticas públicas. São elas que podem oferecer aos adolescentes oportunidades para se conhecer, repensar e se desenvolver. Também é através das políticas sociais que se consegue tratar o tema da sexualidade sem tabus. Possuem destaque o oferecimento de oportunidades concretas de capacitação e trabalho a todos os adolescentes, evitando que aqueles de camadas mais pobres tenham como horizonte somente os subempregos e a reprodução da pobreza, pois uma vez que o adolescente não vislumbre um horizonte de inserção na vida adulta pelo viés profissional, a escolha muitas vezes será a de inserção no mundo adulto através de práticas afetivas/reprodutivas. Essa constatação explica a vigência de relacionamentos conjugais cada vez mais precoces nos territórios mais pobres, que não são vivenciados por adolescentes de camadas médias.
Por último, gostaria de lembrar que é sempre importante reconhecer o protagonismo e a autonomia dos adolescentes, que devem ser ouvidos em suas necessidades, garantindo que o trabalho seja feito COM eles e não PARA eles.
Os direitos sexuais e reprodutivos também são direitos das crianças e adolescentes
