Pai não ajuda, participa: o papel do pai no cuidado


O cuidado ainda é um tema muito distante para a maioria dos homens, mas o papel do pai é tão importante quanto o da mãe para promover acolhimento, crescimento e desenvolvimento adequados para a criança. Segundo o estudo Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil - 2ª edição, lançado em 2021, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, em 2019, as mulheres, principalmente as pretas ou pardas, dedicaram aos cuidados de pessoas ou afazeres domésticos quase o dobro de tempo que os homens (21,4 horas contra 11,0 horas).

Culturalmente existe uma divisão de tarefas, em que a mãe é a cuidadora e o pai o provedor, no entanto, o papel do pai de família já não é mais o mesmo. Ele precisa estar diretamente envolvido, o que fortalece os vínculos familiares. A gestação implica em mudanças internas para o pai, principalmente após o nascimento do bebê, por isso o homem precisa ser cada vez mais estimulado para aprender e contribuir com as tarefas do dia a dia, que envolvem além do cuidado, o diálogo, a escola, entre outras. Para saber como exercer uma paternidade ativa, confira a Cartilha Para Pais, lançada, em 2018, pelo Ministério da Saúde.

Para que o homem sinta abertura para se colocar, seja ouvido e possa ser apoiado, o Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) promove grupos educativos com os pais desde o pré-natal até o pós-parto. As rodas de conversa são essenciais, pois nelas são abordados temas trazidos pelos próprios pais e todos participam, havendo troca de experiências. Nesse momento, são esclarecidos dúvidas e mitos, como a amamentação.

Os primeiros movimentos do bebê, desde a gestação, são considerados como uma etapa central para o pai, pois permitem que ele sinta que seu bebê é real e está vivo. Quando nasce, pais e bebê estão aprendendo a se conhecer e a amamentação é vista como a primeira troca entre mãe e filho, da qual é importante que o pai participe, apoiando para que seja bem-sucedida.

Diante das diversas transformações sociais e econômicas ocorridas nas últimas décadas, como o empoderamento feminino, a divisão das obrigações financeiras e os diferentes tipos de definições de família, a posição masculina se alterou e permitiu a flexibilização de papéis e funções. Esse movimento foi intensificado pela pandemia de Covid-19, que possibilitou adaptações às rotinas das famílias por conta do isolamento social.

Nesse contexto, a assistente social do IFF/Fiocruz, Aline Martins, o professor e pesquisador do IFF/Fiocruz, Marcos Nascimento, e Luis Eduardo Ferreira, pai do paciente Davi Luis, foram convidados para abordar a temática.

Entrevistas

1. Qual a importância do envolvimento paterno desde antes da gestação, parto e acompanhando as fases da vida da criança?

Aline Martins:  O ideal é que a participação paterna se inicie antes da gestação, planejando com a mãe a chegada do bebê, pois requer uma demanda intensa de cuidados que precisa ser atendida pelos adultos de forma imediata. O planejamento e o desejo da gestação tendem a fazer com que o adulto passe por essas demandas de cuidado de forma mais tranquila e afetiva.

Quando a gravidez é confirmada, o papel do pai é muito importante, pois os estudos demonstram que as mulheres apoiadas pelo pai do bebê iniciam o pré-natal mais cedo, cuidam melhor da gestação e se mostram mais satisfeitas com as mudanças corporais vivenciadas.

Para o homem, o envolvimento nos cuidados com os filhos (em todas as suas fases), tem como benefícios uma avaliação mais positiva da vida, maior autocuidado e menor envolvimento em atividades de risco ou abuso físico.

O parto é, sem dúvida, um momento muito especial. Os pais podem estar presentes na sala de parto (Lei 11.108/2005), caso seja a vontade da mulher. Homens que participam desse momento tendem a ser mais afetivos e cuidadosos com os filhos durante toda a sua vida, mesmo nos casos em que há o fim do relacionamento com a mãe da criança.

Também existem outras iniciativas legais, que reconhecem os benefícios da paternidade ativa e efetiva, e estimulam o homem a estar presente em todos os momentos da vida de seu filho.  Hoje, por força de Lei 13.257/2016, o homem tem direito a se afastar do trabalho por dois dias durante o pré-natal do seu filho para acompanhar o seu cuidado e um dia por ano até que o filho complete seis anos. Sabemos que essa iniciativa ainda não cobre toda a demanda de cuidados da criança, mas já é um avanço na legislação capaz de facilitar o envolvimento e a participação do pai.

Temos também a licença paternidade (que é de cinco dias, mas pode ser aumentada em mais 15 dias, caso a empresa em que o pai trabalha tenha feito adesão ao Programa Empresa Cidadã - Lei 11.770/2008), sendo outra garantia legal para garantir a participação do pai tanto no nascimento quanto nos primeiros cuidados com a criança.

O somatório das garantias em lei e o incentivo dos profissionais de saúde, recebendo bem este pai, capacitando-o e qualificando-o para o cuidado com seu bebê estimula e garante a sua participação.


2. "Paternidade e Cuidado" é um dos cinco eixos temáticos da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH) do Ministério da Saúde, que consiste em incentivar a presença de homens acompanhando suas parceiras nas consultas de pré-natal e traz a ideia de que o acesso dos homens aos serviços de saúde para participar dessas consultas também pode ser potencializado como momento de promoção do autocuidado e educação em saúde. Nesse sentido, quais as iniciativas do IFF/Fiocruz para a inclusão dos pais nas consultas?

Aline Martins: No Ambulatório de Pré-Natal do IFF/Fiocruz, o pai é incentivado a participar de todas as fases do cuidado de seu filho, comparecendo a todos os espaços de atendimento.

Também são feitas iniciativas específicas, como o “Manual de orientação da gestante e sua família”, que tem uma seção específica incentivando o homem a participar e interagir com seu filho. No Grupo de Matrícula, voltado para gestantes e suas famílias, o pai que comparece também visita a maternidade e conhece as enfermarias, salas de parto e espaços onde o bebê vai circular.

O tema da paternidade está presente no Curso de Gestantes, onde apresentamos e refletimos sobre os desafios de exercer o papel de pai, considerando que nem todos os homens tiveram a oportunidade de ser cuidado pelos seus próprios pais. No curso, damos informações para esse homem de como cuidar fisicamente de seu bebê (como dar banho, trocar fraldas, cuidar do umbigo ou enrolar o bebê nos cueiros), e valorizamos que o homem interaja conversando, passeando, brincando e estimulando o seu bebê a explorar o mundo.

Também temos um convênio com o Cartório do Catete, que tem no Instituto um espaço oficial para realizar o registro de nascimento da criança, gratuitamente.


3. O que mudou em relação à paternidade na quarentena?


Marcos Nascimento: Para um segmento de homens, a pandemia foi a primeira vez que tiveram um contato mais próximo com a rotina de trabalho do cuidado com a casa e com as crianças de maneira mais próxima. Falo que foi um segmento de homens, porque somente aqueles que tiveram acesso a modalidades de trabalho remoto, o home office, puderam experimentar essa ‘nova rotina’ de buscar conciliar o trabalho produtivo com os cuidados da casa e com as crianças, coisas que as mulheres buscam fazer todo o tempo.

É preciso, portanto, ressaltar que a pandemia e as possibilidades de quarentena não foram as mesmas para todas as pessoas. Num processo de precarização do mundo do trabalho, de desemprego e de trabalhos informais, sair de casa para tentar conseguir prover o sustento da casa é um desafio constante para muitas famílias.

Contudo, algumas pesquisas realizadas durante 2020 e 2021, como ‘Pais em casa’ da organização 4Daddy, que trabalha com o tema da paternidade, mostrou que em algumas famílias houve uma micro revolução com homens dividindo mais as tarefas do cuidado pela primeira vez de forma mais rotineira e constante. Muitos estranharam as inúmeras demandas que uma criança impõe na casa e que conciliar vida laboral e rotinas de cuidado não é uma tarefa fácil. De alguma maneira, houve o descortinamento de algo que já sabíamos por meio de pesquisas: a invisibilização e a desvalorização do trabalho do cuidado; lembrando que pensar e incentivar o cuidado é fundamental, não somente na esfera privada, mas precisa fazer parte de uma agenda pública mais ampla.

Nesse sentido, a divisão sexual do trabalho do cuidado que coloca as mulheres como as principais cuidadoras da família e das crianças precisa ser visibilizada e problematizada com vistas às mudanças mais estruturais na sociedade. E os homens têm um papel fundamental nessa mudança de perspectiva. Cuidar é tarefa de mãe e de pai, de mulheres e de homens, e não somente um atributo feminino.


4. Por que ainda existe tanto preconceito e resistência da sociedade com o tema?

Marcos Nascimento: De maneira geral, a sociedade ainda vê o cuidado como um atributo feminino, quase como se fosse “natural” a função de cuidadora das mulheres, mas, pelo contrário, essa função do cuidado é um trabalho árduo na socialização das meninas que desde cedo aprendem a cuidar a partir de brincadeiras etc. No caso dos meninos, eles não ensinados a cuidar, sobretudo no âmbito doméstico e das crianças. Ver um menino ‘brincando de cuidar’, muitas vezes causa estranhamento, como se fosse uma ‘brincadeira de menina’. 

Por outro lado, vemos cada vez mais uma parcela de homens que deseja e que é demandado a comparecer no trabalho do cuidado. Para isso, a participação dos homens na paternidade deve começar desde antes da concepção, com o planejamento da gravidez, participação no pré-natal e acompanhamento do parto, consultas pediátricas etc. Envolver em tarefas do cuidado desde antes da gravidez é fundamental para o processo de aprendizagem da paternagem. A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem já prevê essa participação. Mas, isso ainda precisa ser incentivado e mais bem compreendido por profissionais e instituições de saúde.

Entender que o trabalho do cuidado com as crianças não deve ser ‘uma ajuda’ masculina para as mulheres, mas uma responsabilidade compartilhada na criação dos filhos e filhas, assumindo uma posição mais participativa, afetiva e cuidadora. Isso traz repercussões positivas para as mulheres, crianças e para os próprios homens.


5. Quais os seus principais desafios no cuidado?

Luis Eduardo: Me adaptar à rotina complexa de internação, que no meu caso já dura cerca de 3 anos, enfrentar o dia a dia no hospital, não estar na nossa casa, não ter momentos de lazer e conciliar com o meu trabalho. Cuidar a gente vai aprendendo no dia a dia, é a minha obrigação como pai e, mesmo com as dificuldades, é muito importante que todos os pais façam o mesmo para contribuir com o desenvolvimento dos nossos filhos.


6. Como avalia a assistência e acolhimento da equipe multiprofissional do IFF/Fiocruz?

Luis Eduardo: Somos bem acolhidos no Instituto, é um hospital de excelência, que salvou a vida do meu filho. Somos gratos por isso e precisamos desse suporte.


 

Pai não ajuda, participa: Luis Eduardo Ferreira com o seu filho Davi Luis, paciente do IFF/Fiocruz

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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